Acesse, a publicação deste causo na Rádio Guaíba do Rio Grande do Sul.
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A escuridão da noite aos poucos era engolida pelos primeiros
raios de sol que surgia por detrás da velha cerca de arame. Dentro do velho
casebre a família preparava-se para mais um dia na labuta.
Foi quando uma barulhança danada tomou conta do terreiros.
O galo destampou a cantar, as galinhas cacarejavam sem modéstia,
cachorros, cavalos, patos e até o velho gardenal, um gato meio maluco que vivia
ali pelo terreiro começou a miar.
Fui abrindo a porta lentamente, pois era início da quaresma, e o
comentário de que um lobisomem havia rondado o descampado me assustava.
O brilho do sol já raiava, e ofuscava minha visão. Mas aos pouco
pude ver chegando bem de vargarinho o causador de tanta barulhança.
Era o compadre Justino, que morava lá pras bandas de Toledo.
A surpresa foi grande, pois o velho homem há muito tempo não nos
visitava.
___ Vai apiando compadre, vai entrando que a casa é sua.
___ Diiiia Compadre Zé! Desculpa pelo horário, é que sai bem
cedinho de Todelo, passei a noite no galope e só pude chegar agora.
___ Larga de modisse compadre, vai apiando que a mulher já está
preparando o café.
Compadre Justino é um grande amigo. Fomos praticamente criados
juntos. Mas o destino nos separou a quase dez anos.
___ Impurra o Gardenal pro canto, senta ai compadre, fala logo
da família, da vida, das andanças?
___ Pois é compadre! Eu estava meio acabrunhado. O médico disse
que acabrunhado agora chama, estresse. E me pediu pra tirar uns dias de folga.
Então pensei em vir pra cá passar uns dias. Espero não estar incomodando?
___ Não se aveche, velho amigo. A minha casa será sempre a sua.
Vou te levar pra carpiná um café com marmelada que quero ver se esse tal de
estresse te larga ou não.
O riso do compadre surgiu derrepente, os causos e as histórias
sérias foram surgindo como no passado.
Falamos de família, dos novos costumes do homem moderno. Até que
a Zuza, carinhosamente nos alertou para o horário.
Já era hora de ir para a labuta.
Mas confesso, que saí dali com uma curiosidade que me beliscava
por dentro.
Entre todos os causos contados pelo Justino, o que mais me
deixou intrigado foi a do porco no rolete.
Disse, ele, que lá pras bandas de Toledo, nesta época acontece
uma tal de festa do porco no rolete, e que toda a região se movimenta ao redor
deste costume.
A minha cabeça ficou tinindo. Quando ele começou a falar, a boca
foi logo enchendo d´gua. As lombrigas se assanharam todas.
E decidi que queria comer o tal de porco no rolete.
Naquele dia não trabalhei direito até ouvi a Zuza dizer que eu
estava queimem mulher prenha.
Mas podiam até zombar de mim, eu havia decidido a experimentar o
danado do porco.
Saí mais cedo da lavoura, arriei o Biruta, meu cavalo e com a
companhia do compadre saímos pelas fazendas da região a procura de um bom
capado para enrroletá-lo.
Na primeira tentativa não deu certo, os capadinhos estavam muito
magrinhos.
Na segunda fazenda, os porcos já estavam vendidos pra uma
fábrica de bacon.
Na terceira fazenda, o fazendeiro havia se separado a esposa e
os porcos entraram no inventário, e não poderiam ser comercializados até uma
posição do Juiz.
Há! A aflição tomou conta de mim. O desespero e a vontade de
comer o tal de porco no rolete só me judiava.
Maldita hora que o Justino foi me contar esta novidade. O pior
era que ele me acompanhava na busca do suíno, e o tempo todo tentava me
convencer de que eu não devia ficar tão entusiasmada com o assado.
Mas pra mim já era uma questão de honra comer o tal do porco.
Como eu havia dito, estávamos em plena quaresma, os rumores de
que um lobisomem rondava a região aumentava a cada dia.
Eu que já lutei com vários lobisomens em minha vida, não me
preocupava muito.
Os dias foram passando, e nada de encontrar um porco no ponto de
ser assado.
A quaresma estava chegando ao fim, e as novenas se
intensificavam na região.Naquela noite, a reza seria na casa do Nhô Quincas que
morava em uma fazenda a muitas léguas dali.
Arrumamos as trouxas, arriei o potro e partimos para o louvor.
O compadre Justino preferiu não ir, disse ele que estava com uma
dor de barriga danada.
Tudo bem! Então vamos eu e Zuza.
A reza foi das melhores. Teve até encenação da morte de Jesus
Cristo. Lá pras quatro da manhã eu e Zuza resolvemos voltar para casa.
Cruzamos a mata fechada, os cafezais, a lavoura de algodão e
quando íamos entrar na ponte do rio Arara que separa o algodoá do descampado,
lá estava ele.
Um porção de fazer inveja a qualquer suíno de televisão. O bicho
era bonito, grande, rosado, mas parecia um monstro.
___ È o tal do lobisomem homem! Gritou a Zuza.
___ Que lobisomem, que nada mulher! È o danado do porco que eu
venho a dias tentando encontrar.
___ Pelo amor de Deus deixa o bicho quieto.
___ Quero ver eu deixar! Lobisomem ou não, ele vai para no
rolete.
Esporei o cavalo e parti para cima do porco. De início o bicho
resolveu encarar, mas quando ele viu que eu estava decidido a dominá-lo, o
bicho resolveu fugir.
Pulei do cavalo como chicote em punho, estalei o rabo de tatu e
parti para cima do cachaço.
Parpa daqui, parpa dali, sobe serra, desce rebalo, mas nada de
pegar o danado.
Corremos de um lado para o outro quase todo o resto da manhã.
Confesso que eu já estava começando a ficar cansado. Mas a minha
vontade era tanta que poderia durar o resto da quaresma, poderia até o porco
ser o tal do lobisomem, que eu ia assá-lo, há eu ia.
A essa altura nós dois, eu e o porco entramos no descampado que
desemboca na minha pequena casinha.
O danado do porco não sabia mais oque fazer, se ele falasse, com
certeza me pediria pelo amor de Deus para deixá-lo em paz.
Correu para trás do galinheiro, passou por cima dos fardos de
algodão e mirou a direção da minha casa.
Foi quando observei que a porta estava aberta. Então gritei:
___ Socorre compadre, prepara o tacho com a água fervendo que o
porco ta chegando.
O porco não tendo para onde correr, entrou em minha casinha.
___ Aprochegue compadre, fecha a porta que desta vez ele não
escapa.
Mas interessante, o compadre não apareceu.
O porco correu e se escondeu detrás do fogão a lenha na cozinha.
Então eu havia encurralado o bico.
Peguei espingarda, fui pé-por-pé, até a entrada do aberto onde o
porco estava escondido.
Engatilhei a magrela, firmei o dedo e o pensamento, quando comecei
a arrastar o gatilho gritos de pelo amor de Deus surgiram de trás do fogão:
___ Calma homem! Pelo amor de Deus não atira. Sou eu seu
compadre.
E não é que era mesmo. O homem estava pelado, todo arranhado,
cheio de chicotadas. O compadre era o lobisomem. Por isso que ele defendia
tanto os porquinhos.
E mais uma vez eu fiquei sem comer o tal de porco no rolete.
Em 2010 Rolando Boldrim se rendeu ao causo de Gilberto Julia e o publicou em seu site.