Portugal, junho 2019
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Lá fora uma chuva fina e fria insiste em não cessar. De dentro de sua caverna, isolado e escondido de seu mundo, ele convive apenas com seus medos e seus fantasmas. Optou por fugir do sol, pois, se recorda do tempo em que embrulhou a ardente estrela para dar de presente a alguém. Brigou com a lua, pois, seus reflexos expunham as imagens ocultas em sua mente de vielas e becos escuros e proibidos. Da chuva tornou-se opositor, pois, a fria e líquida menção o privou de sonhos e desejos. Nunca choveu em sua realidade, apenas gotejou de seus olhos uma goteira solitária e quente. Silenciou-se, pois, suas palavras foram confundidas e o som de sua vos não continha expressão ou argumentos que impusesse a força das batidas de seu coração. Há! O seu coração. Optou por calar-se, entristeceu-se ao saber que valores são o ter, o ser o poder, e não o amar. Apagou as imagens rupestres desenhadas na parede sua caverna, pois, elas só lhe mostravam o quanto a quem te inspirou navega por correntes opostas. Faz o que jurava não fazer, vai onde dizia não ir, sorri pra quem não sorria, se mostra ser o que tanto se esforçou não ser. Excluiu o álbum das recordações, pois, as imagens um dia a ti, dedicadas agora se expõe ao mundo em uma rede de falsos valores. Evita nas paredes seus afrescos e aquarelas, pois, lá se expõem sorrisos que juraram ser provocados por ti. Desfez o caminho que costumeiramente o levava de sua caverna aos lagos, rios, noites, e encontros, pois, cada curva, cada arvore, cada pé de flor ao lado do mourão da porteira demonstra quanto seus singelos atos, eram realmente singelos, com valores singelos. Silenciou o canto dos pássaros orvalhados aos pés da alvorada, pois, eram pássaros de cetim, de penas importadas enquanto sua alegria se fazia de um pobre arlequim. Seus abraços sim, foram fortes e acolhedores, mas não o suficiente para prender seus sonhos, seus desejos. O seu cultuar como se cultua o teto da Cistina, não surtiu efeito como aos olhos dos especialistas em arte romana. Deuses, deusas, afetos, afagos. Em vão… — Escuso no canto escuro de sua caverna repousa, ofuscado pelo acaso, ofuscado pelo desproposito dos sentimentos.
Culpado!
Esse é o veredicto. Pois, errou. Errou ao praticar o que prega. Errou ao discursar e agir como tal. Mas na escuridão de seu cárcere, longe das imagens expostas na parede de sua vida, será absolvido.
Livre, enfim!
Talvez não hoje, nem manhã, mas naquela tarde em que palavras, valores, sentimentos e vida caminharem rumo ao mesmo caminho. Um único cainho. O caminho da liberdade para amar.